Ricardo Leitão: Parelha nefasta contra o Brasil

Jornalista Ricardo Leitão vê ação de Trump e Bolsonaro como um mal para o Brasil. Americano prometeu altas tarifas contra nação, para ajudar Bolsonaro

Ricardo Leitão | Publicado em 14/07/2025, às 15h31 - Atualizado às 15h38

Bolsonaristas sugerem uma saída: Lula apoia anistia de Bolsonaro no Congresso e, agradecido, Trump desiste do tarifaço - Reprodução
Bolsonaristas sugerem uma saída: Lula apoia anistia de Bolsonaro no Congresso e, agradecido, Trump desiste do tarifaço - Reprodução

Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao site Jamildo.com

Pior presidente desde a redemocratização, em 1985; defensor de ditaduras e de torturadores; investigado por terrorismo e réu por tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro recebeu agora apoio público de uma parelha à altura de sua biografia: o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Em carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, divulgada nas redes sociais, Trump escreveu: “Ele (Bolsonaro) não é culpado de nada, exceto por ter lutado pelo povo (...). O grande povo do Brasil não vai tolerar o que está acontecendo com o seu ex-presidente. Estarei acompanhando de muito perto a caça às bruxas contra Jair Bolsonaro, sua família e milhares de seus apoiadores. Deixem Bolsonaro em paz”.

Trump fez essa descabida e afrontosa interferência em assunto exclusivo da Justiça brasileira nos primeiros parágrafos da correspondência para Lula. Nela, o seu principal objetivo foi anunciar que o Brasil, a partir de 1 de agosto próximo, passaria a ser taxado com uma tarifa de 50% em todos os produtos exportados para os Estados Unidos, em decorrência do “desequilíbrio” nas operações comerciais entre os dois países.

No documento, Trump recorre à mentira, arma sempre à mão em seu arsenal de palanqueiro. Não é verdade que Bolsonaro seja vítima inocente de uma caça às bruxas. Ele é o principal réu de um processo, que corre no Supremo Tribunal Federal, no qual é acusado de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano e deterioração de patrimônio público. Os crimes foram investigados pela Polícia Federal durante meses.

O propósito principal da trama golpista era derrubar o recém empossado presidente Lula e substituí-lo pelo próprio Bolsonaro, derrotado nas eleições presidenciais. O ex-presidente e sua quadrilha de golpistas devem ser sentenciados até setembro próximo, ao fim de um processo no qual Bolsonaro, por todo o tempo, teve amplo e permanente direito de defesa. Ao contrário do que acontecia nas ditaduras que sempre apoiou.

Mente novamente Trump ao alegar “desequilíbrios” no comércio entre o Brasil e os Estados Unidos para justificar o tarifaço de 50%. As estatísticas comprovam que, se há desequilíbrio, é a favor dos Estados Unidos, não do Brasil.

De janeiro a junho deste ano, as vendas norte-americanas para o mercado brasileiro atingiram 9,1 bilhões de dólares. Nos últimos 15 anos, o balanço é favorável aos Estados Unidos em cerca de 450 bilhões de dólares. Ainda assim, interessa aos empresários brasileiros manter abertas as portas desse mercado, o terceiro maior que tem o País depois da China e da União Europeia.

Jair Bolsonaro foi rápido nas mídias sociais, ao tomar conhecimento da carta de Trump: “Obrigado por você existir e nos dar exemplo de fé e resiliência. Sempre continuaremos a defender as grandes bandeiras das nossas nações”, orgulha-se o ex-presidente. Iguais em seus autoritarismos,

Trump e Bolsonaro foram inspiradores de dois episódios golpistas semelhantes: em janeiro de 2021, o norte-americano insuflou seguidores para invadir o Congresso e impedir a certificação da vitória de Joe Biden. Morreram seis pessoas e centenas ficaram feridas.

Dois anos depois, vândalos bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e da Presidência da República, em Brasília, no que seria o gatilho da tentativa de golpe liderada por Bolsonaro.

Perde-se e ganha-se com as articulações da parelha nefasta. Bolsonaro acredita que ganha ao ter ao seu lado o presidente da maior potência econômica e militar do mundo. No entanto, seria mais prudente aguardar o que dizem as pesquisas de opinião sobre as consequências desse apoio. Trump é visto por muitos no Brasil como um líder imperialista sem nenhum direito de se envolver em questões internas do País.

Nesse sentido, o seu apoio a Bolsonaro seria contraproducente para o ex-presidente. Lula também acredita que ganha. Passou a ter nas mãos o discurso nacionalista de “unidade dos brasileiros contra um inimigo do Brasil”, com potencial de atrair seguidores e principalmente eleitores.

O problema, para Bolsonaro e Lula, são os labirintos do futuro. Até 1 de agosto, quando passa a vigorar o tarifaço de 50%, existem cerca de duas semanas para negociações, o que defendem lideranças empresariais brasileiras.

Não havendo acordo – no mínimo para reduzir a tarifa de 50% - o que se aguarda é queda nas exportações para os Estados Unidos; desemprego; alta da inflação e dos juros. A culpa pela retração econômica será de quem? De Bolsonaro, que apoia Trump e seus tarifaços? Ou de Lula, acusado de ser incapaz de negociar com Trump?

No momento, notas oficiais candentes à parte, os passos são cautelosos. Quem fala evita tratar do julgamento de Bolsonaro; quem cala aposta na pressão por um rápido acordo que reverta as tarifas, fazendo parte desse grupo setores do Governo.

São os que apontam como exemplo os casos do Canadá e do México, inicialmente penalizados com gravidade por Trump e que, depois de entendimentos, conseguiram reduzir as tarifas.

De qualquer modo, é uma nova purgação para o Brasil se ver envolvido em uma crise dessa dimensão, a pouco menos de um ano da eleição presidencial de 2026. Pior: uma crise que o força a se confrontar com um oponente muito mais poderoso, em um contexto em que sua capacidade de intervenção é reduzida.

Sempre geniais em suas propostas, os bolsonaristas sugerem uma saída: Lula apoia anistia de Bolsonaro no Congresso e, agradecido, Trump desiste do tarifaço. A escandalosa chantagem é apenas um detalhe.

A tudo se junta o fato de que negociar com Trump é um reconhecido risco. O que vale a palavra de um presidente que, logo depois da posse, anunciou que iria anexar o Canadá, comprar a Groelândia, invadir o Canal do Panamá, acabar a guerra da Ucrânia com um telefonema e instalar um polo turístico na Faixa de Gaza?

Nada disso aconteceu nem vai acontecer. Porém a capacidade de Trump de tumultuar o mundo com as suas bravatas é real. E o que vai acontecer com o Brasil, nessa conjuntura instável, é uma incógnita.