Ricardo Leitão: A sinistra vanguarda da extrema direita

Trump adota medidas polêmicas. Assessor Musk, depois de gesto nazista, apareceu em um telão em comício do partido de extrema direita da Alemanha

Jamildo Melo

por Jamildo Melo

Publicado em 03/02/2025, às 06h49

Donald Trump foi eleito novo presidente dos Estados Unidos e mandou soltar invasores do Capitólio - Reprodução
Donald Trump foi eleito novo presidente dos Estados Unidos e mandou soltar invasores do Capitólio - Reprodução

Por Ricardo Leitão, em artigo especial para o site Jamildo.com

Na presidência dos Estados Unidos há menos de duas semanas, Donald Trump já ultrapassou as piores expectativas. Em tempo tão curto retirou o país do Acordo do Clima de Paris e da Organização Mundial de Saúde (OMS); ameaçou retomar à força o canal do Panamá, se ofereceu para comprar a Groelândia e sugeriu que o Canadá fosse incorporado ao território norte-americano.

Propôs que milhões de palestinos deixassem Gaza e partissem para o Egito e a Jordânia, como solução para a guerra contra Israel. Decretou emergência na fronteira com o México para conter a imigração ilegal e cravou que os cartéis mexicanos de drogas são organizações terroristas.

Revogou medidas de estímulo a energias limpas, impôs tarifas leoninas contra o Canadá e ameaça fazer o mesmo com México e China – principais parceiros comerciais dos Estados Unidos –, tumultuando simultaneamente as relações com a União Europeia.

Apesar dos alertas no sentido contrário, concedeu perdão a cerca de 1.500 militantes trumpistas que invadiram o Capitólio – sede do Congresso -, confronto que provocou seis mortes e dezenas de feridos. Entre os invasores perdoados, dois notórios bandidos: Ross Ulbritch, cumprindo prisão perpétua por tráfico internacional de drogas, e Jacob Schnsley, um dos líderes da invasão, que logo avisou: “Agora vou comprar umas armas para defender o presidente.”

No entanto, por enquanto, nada se compara à guerra que Trump desencadeou contra os imigrantes ilegais, acusados por ele, sem provas, de responsáveis pela violência nos Estados Unidos. Vale tudo: prisões arbitrárias, expulsões sumárias do país, invasões de residências e comércios e separação de famílias.

É como se os imigrantes – que foram e são fundamentais para o crescimento econômico dos Estados Unidos - de repente fossem transformados em um gigantesco rebanho de bodes expiatórios das crises norte-americanas.

A última ideia do presidente é prender 30 mil deles na Base Naval de Guantánamo, na Ilha de Cuba, usada pelos Estados Unidos para isolar terroristas, desde os atentados nas Torres Gêmeas, em Nova York, em 2001. Dos 785 presos iniciais, 17 ainda estão nas solitárias da prisão. Nesse período foram constantes as denúncias da Anistia Internacional de torturas em seus interrogatórios.

Aproximando-se dos 15 dias de governo, Donald Trump não tomou nenhuma medida para enfrentar questões internas graves, como a inflação, nem no sentido de reduzir a tensão mundial.

Do contrário: sua posição ostensiva de defesa de Israel nas guerras do Oriente Médio e a sua conivência diante da invasão da Ucrânia pela Rússia só favorecem uma perigosa escalada de violência no cenário mundial.

O irresponsável isolacionismo de Trump, que o levou a retirar os Unidos do Acordo do Clima de Paris e da Organização Mundial da Saúde, é outra marca da tragédia em que já se transforma a gestão do novo presidente.

Os norte-americanos são os segundos maiores poluidores do mundo, apenas superados pelos chineses. Produzem 4,9 bilhões de toneladas de CO2 por ano, o equivalente a 13% do total do planeta. Sua defecção do Acordo do Clima de Paris enfraquece a mobilização contra o aquecimento da atmosfera, o que pode repercutir até na agenda da Cúpula do Clima, a se realizar neste ano, em Belém (PA).

A retirada da OMS é extremamente danosa para milhões de pessoas pobres, carentes de alimentos e tratamento médico na África, na Ásia e no Oriente Médio. Os Estados Unidos participam com 18% do financiamento da OMS, que tem um orçamento bienal de 6,8 bilhões de dólares. Os recursos são hoje usados principalmente em campanhas de vacinação, como ocorrem em Gaza.

Ainda assim, trumpistas radicais reagem, como afirma Elon Musk, bilionário e assessor do presidente: “As nações não devem ceder qualquer autonomia à OMS”.

Talvez Musk seja quem melhor personifica a extrema direita no poder nos Estados Unidos. Filho de migrantes sul-africanos criado no apartheid, é um dos homens mais ricos do mundo. Tem negócios nas indústrias automobilística, espacial, de computadores e de plataformas digitais, de alcance universal. Doou 270 milhões de dólares para a campanha de Trump, que o nomeou chefe do recém criado Departamento de Eficiência do Governo, com gabinete vizinho à Casa Branca.

Uma semana depois da nomeação, Musk faturou 70 bilhões de dólares em operações com suas empresas.

No trabalho do privilegiadíssimo assessor o que fizer no departamento pouco importa. Na verdade ele vai cuidar de duas outras missões, muito mais essenciais para o trumpismo.

A primeira é articular o apoio ao governo dos bilionários proprietários das gigantescas plataformas digitais, de forma a criar uma barreira defensiva contra ataques da oposição pelas redes sociais. Todos os dirigentes dessas corporações ocuparam lugares especiais na solenidade de posse de Trump e se confraternizaram efusivamente, na certeza dos bons tempos futuros.

A segunda missão de Musk é ainda mais essencial: valer-se de suas amplas conexões econômicas, sociais e políticas internacionais para viabilizar candidatos da direita que possam se reunir em torno do trumpismo para uma ação conjunta. O bilionário é rápido no gatilho.

Na semana passada, apareceu em um telão em comício do Partido Alternativo para a Alemanha, o AFD, na sigla em alemão, de extrema direita, para o qual pediu votos. Há informações de incursões suas em Portugal, na Itália, na Hungria e na França, onde a direita também avança a cada eleição.

É provável que em um desses encontros Musk tenha ensaiado o gesto nazista com que saudou o distinto público, e por ele foi aplaudido, em um evento da posse de Donald Trump.

Daqui a um mês onde estará o presidente dos Estados Unidos? Terá conseguido encarcerar ou expulsar todos os imigrantes ilegais? São estimados em 11 milhões. Terá recebido Jair Bolsonaro na Casa Branca para analisar a invasão da Venezuela?

Ou vai preferir tratar do assunto com o cabeleireiro de Michelle, figura de crescente prestígio no clã Bolsonaro? Não se sabe.

Trump é um elefante louro e obeso, com um boné vermelho, surtado em uma loja de cristais decorada com ogivas atômicas.

Para o mal do mundo, foi escolhido democraticamente pelos eleitores norte-americanos, que lhe deram uma vitória acachapante na votação direta e no colégio eleitoral. Supõe-se que sabiam o que estavam fazendo. Se não sabiam, não foi por falta de aviso.

@blogdojamildo