Em artigo de opinião, militante do PSB critica a Câmara de Vereadores de Camaragibe por avaliar proposta de título de cidadão honorário a Bolsonaro
Marcelo Diniz | Publicado em 16/04/2025, às 09h48 - Atualizado às 10h10
Por Marcelo Diniz, em artigo enviado ao site Jamildo.com
Enquanto Camaragibe enfrenta graves desafios sociais e ambientais, a Câmara de Vereadores se ocupa com a proposta de conceder o título de cidadão honorário a Jair Bolsonaro. Essa escolha revela um distanciamento alarmante das reais prioridades da cidade.
Camaragibe tem 64,39% das casas sem ligação com a rede de esgoto. Grande parte dos dejetos vai parar nos rios e riachos da região, poluindo o meio ambiente e expondo famílias a doenças. Além disso, 38% das residências não têm a água da rede pública como principal fonte de abastecimento, o que aumenta o risco de contaminações e mostra o uso desordenado dos recursos hídricos locais.
Entre 2020 e 2022, a mortalidade infantil saltou de 11,79 para 14,04 por mil nascidos vivos. A população ocupada formalmente representa só 12,32% dos moradores, enquanto 41,9% vivem com até 1,8 salário-mínimo.
A cidade tem quase 30 mil pessoas em áreas de risco de inundações e deslizamentos, segundo dados do CEMADEN. A juventude carece de projetos que incentivem seu potencial. As mulheres enfrentam rotinas exaustivas, violência doméstica e ausência de creches que lhes garantam autonomia frente ao domínio financeiro masculino, muito fundamentado numa divisão social do trabalho que relega a elas o serviço doméstico não-remunerado e o trabalho de cuidados e educação familiar.
Mais de 11 mil adultos são analfabetos, e faltam políticas de inclusão para pessoas com deficiência, que mal conseguem circular pelas calçadas esburacadas ou obstruídas. A mobilidade urbana é precária, com ônibus caros e desconfortáveis. A violência cresce em todos os cantos: chacinas, roubos, assaltos e acidentes de trânsito.
Além disso, Camaragibe tem maioria negra (67,6%), mas políticas de igualdade racial são escassas. A herança cultural do Quilombo do Catucá e dos brinquedos populares é subvalorizada, mesmo com seu imenso potencial para a identidade local, a economia criativa e o turismo.
Apesar desse cenário, a maior “contribuição” de Bolsonaro à cidade é a construção de uma Escola de Sargentos projetada para ser uma das maiores do mundo, sem necessidade real, derrubando cerca de 200 mil árvores na Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe, sem estudo de impacto ambiental. A responsabilidade recai também sobre o Governo de Pernambuco, que chancela esse projeto sem ouvir as comunidades afetadas.
(Nota do site: a escola de sargentos é um projeto de Estado brasileiro, não do governo bolsonaro ou Lula)
Como se não bastasse, o verdadeiro motivo por trás da tentativa de homenagear Bolsonaro é ainda mais grave: a ação faz parte de uma campanha por anistia aos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Segundo a Polícia Federal, Bolsonaro e seus aliados planejaram e incitaram um ataque às instituições brasileiras com o objetivo de tomar o poder à força, suprimindo liberdades e planejando até assassinatos de líderes democraticamente eleitos e ministros do Supremo Tribunal Federal.
As instituições não são perfeitas, mas a democracia ainda é o melhor caminho para corrigi-las. Conceder um título de cidadania a alguém que desprezou esse sistema é ignorar os valores mais básicos da convivência civilizada. E quando a iniciativa parte de alguém que foi eleito pelo sistema eleitoral que Bolsonaro atacou e desacreditou, isso é ainda mais
vergonhoso.
É por isso que, na próxima terça-feira, a sociedade deve se reunir na Câmara de Vereadores para dizer um claro "não" a essa homenagem. É hora de ocupar os espaços públicos em defesa da liberdade e da democracia. É hora de cobrar dos vereadores que discutam e aprovem políticas que melhorem de fato a vida da população.
Os movimentos sociais e políticos da cidade precisam convocar a população, resistir e impedir esse retrocesso que causará, se aprovado um vexame enorme a quem aqui nasceu e a quem aqui escolheu viver. Quem ama Camaragibe não quer vê-la passar por isto.
Camaragibe não precisa de homenagens a golpistas. Precisa que os recursos da Câmara sejam utilizados sim em prol de saneamento, educação, transporte, cultura, justiça social e respeito! É para isto que o povo paga os salários, contas e equipamentos da Câmara Municipal.
Marcelo Diniz é militante de movimentos sociais há 26 anos, tendo sido Diretor de Relações Internacionais da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas e Secretário Geral da União dos Estudantes de Pernambuco.
Na gestão pública, atuou como Gerente da Igualdade Racial da Prefeitura do Recife e como Coordenador do Gabinete Digital e Coordenador de Relação com os Conselhos da Prefeitura de Caruaru.
Hoje é Coordenador Geral do Instituto Nacional Internacional, Social, Cultural Afro Origem em
Pernambuco e Tesoureiro do PSB de Camaragibe.