Em seu artigo, Ricardo Leitão defende que "derrotar qualquer projeto de anistia a Bolsonaro e sua quadrilha parece ser a principal prioridade"
Ricardo Leitão | Publicado em 19/10/2025, às 13h22 - Atualizado às 14h22
Em um ano, cerca de 155 milhões de brasileiros elegerão novo presidente da República, dois terços do Senado, 513 deputados federais, 27 governadores estaduais, o governador do Distrito Federal e centenas de deputados das Assembleias Legislativas. Que país emergirá das urnas a partir da decisão dos eleitores? Que futuro se desenha, em meio a uma conjuntura plena de desafios?
Um deles de imediato se apresenta: a anistia política de Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e três meses de cadeia, por liderar a trama golpista de 2022/23. O resultado desse debate terá inevitável repercussão na eleição presidencial do próximo ano. Anistiado, Bolsonaro poderá concorrer, na condição de principal nome da direita, provavelmente enfrentando Luiz Inácio Lula da Silva, que seria candidato à reeleição.
No momento, projeto de lei para anistiar Bolsonaro – e demais implicados na trama golpista – está na lista para ser votado na Câmara dos Deputados. A discussão se dá em torno de seu mérito: a bancada da direita exige uma anistia ampla; a da esquerda nenhuma anistia; o centro tenta articular uma saída pelo meio, que seria a redução da pena do ex-presidente e seu cumprimento em prisão domiciliar. Com problemas constantes de saúde, Bolsonaro aceitaria o acordo.
No Senado, contudo, não há sequer entendimentos iniciais sobre anistia. Se aprovado na Câmara, o projeto obrigatoriamente tramitará no Senado, onde o governo tem maioria de votos. O senador Oto Alencar, presidente da poderosa Comissão de Constituição e Justiça, é enfático: “Na minha opinião, esse assunto de anistia é letra morta, não vai andar para lugar nenhum”. A direita, na Câmara dos Deputados e no Senado, discorda de Alencar e ameaça bloquear nas comissões temáticas e nos plenários os projetos de interesse do governo. Já provou, mais de uma vez, que tem votos para tanto. Se quiser testar, a esquerda tem de pagar para ver.
Não será um escândalo político se Jair Bolsonaro for anistiado, junto com graduados fardados e civis golpistas. Nunca houve na história do Brasil a efetiva punição de militares por atentados à democracia. Anistias aprovadas pelo Congresso beneficiaram oficiais envolvidos em tentativas fracassadas em 1904, 1922, 1924, 1956, 1959 e 1961.
Quando os golpistas foram vitoriosos a anistia tornou-se desnecessária, como nos casos de 1889, 1930, 1937, 1945,1954, 1955 e 1964. Nessa longa tradição antidemocrática, o que ocorre com Bolsonaro é inédito: o ex-presidente foi investigado, denunciado, julgado e condenado, tendo em todas essas etapas amplo direito à defesa. A maior bandeira que lhe resta é a anistia.
Derrotar a anistia é a principal bandeira da esquerda, aliada com setores do centro e da direita não-bolsonarista. É cada vez mais frequente o raciocínio de que um candidato da direita, sem um representante com a toxicidade do clã Bolsonaro em sua chapa, teria condições de enfrentar Lula, em 2026. O atual presidente preferiria disputar com o ex-presidente, repetindo a polarização de 2022, que hoje supostamente lhe daria vantagem.
A última pesquisa de intenção de votos da Quaest, do início do mês, mostra Lula como vencedor em todos os cenários de primeiro e segundo turnos. No confronto com Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, nome destacado da direita, Lula tem 45% das intenções de voto, contra 35% de Freitas. Incluído na pesquisa, apesar de estar no momento inelegível, Bolsonaro aparece com 36% na simulação, tendo Lula 46%. São margens médias de vantagem de 10 pontos percentuais para o petista, a um ano das eleições presidenciais. Não é pouco, porém não é muito, em uma disputa que sinaliza vitória apertada.
As oscilações das conjunturas nacional e internacional também não ajudam na visualização mais clara do futuro. Segundo o Banco Central, o produto interno do Brasil em 2026 terá um crescimento de apenas 1,5%, abaixo da previsão de 2,4% do Ministério da Fazenda. O Fundo Monetário Internacional anunciou uma taxa de 1,9% para 2026. De qualquer forma, a economia brasileira deve crescer abaixo da demanda de empregos e do aumento da renda, efeitos muito negativos em um ano eleitoral.
E existem ainda o imperador Donald Trump e suas decisões autoritárias em relação ao Brasil. O tarifaço que decretou reduziu em 20,8% as exportações de produtos brasileiros para os Estados Unidos. A ameaça de jatos e navios de guerra dos EUA contra a Venezuela eleva ao máximo a tensão no Mar do Caribe. Ou seja: um conflito regional que pode envolver o Brasil, que tem milhares de quilômetros de fronteira seca com o país vizinho e pode ser instado a atuar nesse caso.
Embora tenha recuado da defesa despropositada que fez, como chamava, do “grande líder injustiçado Jair Bolsonaro”, Trump ainda mantém sanções ao ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, proibido de entrar nos Estados Unidos, e a outros ministros do STF. Nas próximas semanas, em local a se definir, Lula e Trump terão o primeiro encontro pessoal, com pauta por enquanto em aberto. Diante do clima inamistoso ocorrido entre os dois, depois do tarifaço e da louvação a Bolsonaro, há justa expectativa quanto à reunião. Caso o impasse permaneça, não se sabe em que sentido será dado o próximo passo.
A direita brasileira acompanha com binóculos. A aproximação de Trump com Lula lhe desfavorece, na medida em que desidrata a pressão dos bolsonaristas sobre o presidente. O interlocutor preferencial de Trump a respeito de questões do Brasil passa a ser Lula e não mais Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente e refugiado em Washington. Um dos efeitos desse isolamento crescente do bolsonarismo pode ser sua radicalização – nenhuma novidade na trajetória do líder do clã.
Aluno na escola militar das Agulhas Negras, Jair Bolsonaro foi envolvido em planejamento de ato terrorista que explodiria sistema de abastecimento d’água do Rio de Janeiro. Deputado federal, dedicou seu voto pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff ao major do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, o primeiro militar da ditadura (1964-1985) reconhecido como torturador pela Justiça.
Candidato a presidente, por diversas vezes posou para fotógrafos exibindo rifles e metralhadora. Presidente, sancionou leis que liberaram, em larga escala, a venda de armas e de munições de grosso calibre. Líder do golpe de 2022/2023, silenciou ao tomar conhecimento que asseclas planejavam o assassinato de Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes.
O que será que será? Serão muitas lutas. Por ordem de prioridade, derrotar qualquer projeto de anistia a Bolsonaro e sua quadrilha parece ser a principal. Golpes, tentativas ou preparativos de golpes não devem ser anistiados. Não se trata de revanchismo, mas de justiça. Não está em jogo o destino de um político golpista e sim a possibilidade efetiva de se romper com um ciclo secular de autoritarismo, garantido, a partir de agora, a afirmação do Estado Democrático de Direito. Às lutas! Às ruas!