O quarto governo de Lula

Jornalista Ricardo Leitão, em artigo especial para o site Jamildo.com, escreve sobre Lula 2026: desafios e estratégias para o quarto governo

Ricardo Leitão | Publicado em 17/03/2025, às 12h03 - Atualizado às 12h21

Lula e seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Joédson Alves/Agência Brasil
Lula e seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Joédson Alves/Agência Brasil

Por Ricardo Leitão, em artigo especial para o site Jamildo.com

O período de 27 meses do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva começou em janeiro de 2023 e se prolongou até o início deste mês. Um tempo conturbado, marcado pela tentativa de golpe de Estado, liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e, em seu final, pela drástica queda de popularidade do novo presidente.

É certo que o governo ampliou programas sociais de longo alcance, como o Bolsa Família; o desemprego diminuiu; a renda dos trabalhadores cresceu e o PIB deu passos à frente. E melhor: o Brasil voltou a ter esperança. No entanto, a inflação – notadamente dos alimentos – não cedeu; o Banco Central foi forçado a elevar os juros e o bom desempenho do PIB começou a ratear no último trimestre.

Na política, a esquerda sofreu grande derrota nas eleições municipais de 2024, nas quais se fortaleceram a direita e o bolsonarismo. E as relações com o Congresso continuaram instáveis, na dependência de negociações que frequentemente passaram ao largo dos princípios republicanos.

Com bases assim tão frágeis, o quarto governo de Lula – que se estenderá até 31 de janeiro de 2026 – tomou posse com a posse de Gleisi Hoffmann na Secretaria de Relações Institucionais e de Alexandre Padilha no Ministério da Saúde.

Os dois têm tarefas difíceis: ela, a de manter o apoio do centro ao projeto de reeleição de Lula; ele, o de mobilizar os bilionários recursos da Saúde para imprimir uma forte marca na gestão – o que não se conseguiu no terceiro governo.

O ingresso de Hoffmann e de Padilha no ministério atende a três urgências de Lula: conter a sangria da popularidade, recompor a relação com o centro e disseminar ações do governo em todas as regiões.

O resultado esperado será manter a viabilidade de Lula como candidato à Presidência da República em 2026, contendo ou adiando as articulações, no campo da esquerda, que poderiam enfraquecê-lo na condução do processo sucessório.

O tempo é curto e os obstáculos aparentemente intransponíveis, mesmo para um mestre em vencer causas ditas como perdidas. A saber: o Congresso ainda não votou o Orçamento da União de 2025, o que emperra a administração; a inflação não vai ceder e os juros não vão baixar, repercutindo negativamente no crescimento econômico e na oferta de empregos; são imprevisíveis as consequências do caos tributário decretado por Donald Trump; o governo tem poucos recursos para investir e pode ser forçado a reduzir, ou mesmo sustar, programas sociais.

No Congresso, diminuem as possibilidades de serem votados projetos estruturadores como a regulamentação da reforma fiscal, a reforma administrativa e a PEC da Segurança. Partidos “aliados” que compõem a gelatinosa base governista exigem mais espaço no primeiro escalão, enquanto propagam não ter qualquer compromisso com a reeleição de Lula. Um triste e preocupante sintoma da fragilidade do quarto governo.

A 18 meses das urnas presidenciais de outubro de 2026, o presidente se depara com nuvens turvas pairando sobre o que talvez seja a sua última campanha política. O governo não terá condições de se recuperar e se fortalecer em tão pequeno prazo, o que agravará sua impopularidade e a competitividade do presidente, caso seja candidato à reeleição.

Ademais, o PT está tão dividido que o candidato de Lula à presidência do partido – Edinho Silva – corre o risco de ser derrotado na eleição de julho próximo. A seu favor, Lula conta com a probabilidade de Jair Bolsonaro se tornar réu, ainda neste ano, por decisão do Supremo Tribunal Federal, no processo de tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023. Julgado, ele poderia pegar até 29 anos de prisão, o que tornaria praticamente impossível sua candidatura a presidente no próximo ano.

Porém, isso não impediria que a direita bolsonarista tivesse um candidato alternativo. O mais cotado é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ex-ministro de Bolsonaro, com gestão bem avaliada e firme apoio no Sudeste, a região mais populosa e rica do País.

Sem confirmar se é candidato ou não à própria sucessão, Lula se prepara para o embate. A nomeação de Gleisi Hoffmann para o ministério restaura sua aproximação com a esquerda do PT. Antes presidente nacional do partido, a nova ministra se destacou como crítica à chamada “direitização” de ações do governo, tendo como principal alvo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Lula vai precisar da esquerda petista para o confronto nas ruas e nas redes digitais em 2026.

Simultaneamente, o presidente assume oposição pública a Donald Trump, o que ressoa dentro e fora do País. Tornou-se dessa forma porta-voz de setores nacionalistas contra o novo imperialismo trumpista, o que agradaria à distanciada classe média e mesmo a segmentos das Forças Armadas, incomodadas com os avanços geopolíticos do presidente norte-americano.

O quarto governo deverá esperar dias incandescentes, mais do que os três anteriores. Neles, um ex-presidente, ex-ministros, ex-comandantes militares poderão ser condenados por tentativa de golpe de Estado, o Brasil mergulhará ou se salvará de uma estagflação e todos nós nos defrontaremos com a perspectiva de sermos submetidos, de novo, à brutalidade do autoritarismo.

No dia 15 de março passado, a democracia completou 40 anos no Brasil, período contado a partir da posse de José Sarney na presidência da República, em 15 de março de 1985. Uma democracia que se mostra resistente: enfrentou enormes crises econômicas, superou dois impeachments presidenciais e resistiu a uma tentativa de golpe de Estado. Defendê-la é um dever absoluto. Com unidade, perseverança e coragem. Ainda estamos aqui. Sempre estaremos.