Imperador quer salvar Cavalão

Jornalista Ricardo Leitão escreve que o presidente Trump quer salvar Cavalão e para isto está atropelando o Brasil: o tarifaço vem aí em agosto

Ricardo Leitão | Publicado em 21/07/2025, às 13h45 - Atualizado às 14h00

Eduardo Bolsonaro com Trump e Jair Bolsonaro - Reprodução Instagram
Eduardo Bolsonaro com Trump e Jair Bolsonaro - Reprodução Instagram

Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao site Jamildo.com

Como um elefante louro enfurecido, Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, desabou no meio da sucessão presidencial do Brasil. Há quase um mês desfere trombadas contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Alexandre de Moraes, do STF.

Seu objetivo declarado é fazer de Jair Bolsonaro candidato à presidência no próximo ano – um réu condenado por tentativa de golpe de Estado com uma tornozeleira eletrônica no seu mocotó esquerdo.

No propósito absurdo de submeter o governo brasileiro e o STF ao seu objetivo, o Imperador – alcunha que ganhou de Lula – impôs uma sobretaxa de 50% a todos os produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos.

Cavalão (apelido de Bolsonaro no curso de oficiais do Exército, talvez decorrente de sua inteligência equina) exultou e agradeceu de imediato. Passava a ter o aplauso público de seu líder e patrono.

Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, refugiado nos Estados Unidos, não tardou em apontar a solução para o Brasil escapar da sobretaxa: articular com o Congresso anistia para o Cavalão, uma chantagem explícita, nunca vista nem durante a ditadura de 1964, quando o Brasil era quintal dos norte-americanos.

O confronto de notas oficiais entre Trump e Lula é violento. No tiroteio, Eduardo Bolsonaro, defensor público do presidente dos Estados Unidos, é tratado como um “traidor da Pátria”.

Por outro lado, Lula é tido como incompetente, por não saber defender os interesses nacionais. E o ministro Alexandre de Moraes como um ministro que faz do STF uma arma política contra os seus adversários. Por enquanto, ninguém cede.

Informado de que Bolsonaro podia fugir para o exterior, Moraes ordenou que ele passasse a usar uma tornozeleira eletrônica, no mesmo dia em que o governo dos Estados Unidos cancelou o seu visto de entrada no País e de amigos seus e familiares.

A sobretaxa de 50% passa a vigorar a partir do primeiro dia de agosto. O prazo é curto, mas ainda assim se aposta em algum entendimento: prorrogar o prazo, reduzir o percentual da taxa ou mesmo extingui-la.

O México, o Canadá e a Austrália negociaram e conseguiram reduções. Os dois primeiros são mercados importantes para os Estados Unidos.

O Brasil compra mais do que vende aos EUA, não havendo razões para sobretaxas do ponto de vista comercial. Elas estão sendo impostas pelo Imperador por motivos políticos, para tentar salvar Cavalão em 2026.

No entanto, passado o entusiasmo dos primeiros dias, Bolsonaro e os bolsonaristas começam a constatar que não é tão conveniente o apoio de Trump, a um ano e três meses da eleição presidencial.

Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que o tarifaço vai desempregar, de saída, 100 mil trabalhadores: 40 mil na agropecuária, 31 mil no comércio e 26 mil na indústria, entre os maiores setores.

Serão mais afetados o Sudeste e, na região, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, onde o Cavalão tem base eleitoral. Como será pedir votos nesses três estados e, ao mesmo tempo, amarelar diante do tarifaço de Trump?

Lula também agradece a descabida interferência do Imperador, porém por motivos muito diferentes: Trump lhe deu um poderoso discurso, que pode municiar o presidente no debate com a direita nos próximos meses e servir de mote eleitoral: a defesa da soberania nacional e a união dos brasileiros contra o novo imperialismo norte-americano.

Deu certo no Canadá e na Austrália, cujos eleitores elegeram candidatos a primeiros-ministros que reagiram à pressão trumpista.

É cedo para cravar se mesmo caminho chegará a igual resultado no Brasil. No momento, as primeiras pesquisas indicam que a oposição de Lula a Trump está sintonizada com a população, que em maioria de 72% reage negativamente ao tarifaço do Imperador. Bom para o presidente, ruim para o ex-presidente.

O que fazer?

A dúvida fraciona os bolsonaristas. Um polo pede que Bolsonaro reforce o discurso de que Lula é o culpado pela sobretaxa, pelo desemprego e inflação que advirão, por sua incapacidade de negociar com Trump; outro polo defende que o caminho é se alinhar aos empresários parceiros no Brasil e nos Estados Unidos e buscar uma solução imediata, antecipando-se ao governo Lula.

A divisão entre os dois polos também separa as facções da direita na mobilização eleitoral. Mesmo inelegível até 2030, por sentença do TSE,, Bolsonaro se empenha para ser anistiado pelo Congresso. Seu propósito é ser o candidato do primeiro polo à presidência, pela direita golpista.

O segundo polo – a direita democrática – tenta se articular em torno de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo.

Nos dois polos há uma certeza: nenhum candidato da direita vencerá ou chegará ao segundo turno sem o apoio explícito de Jair Bolsonaro, reconhecido e testado como líder popular. Nem mesmo Tarcísio de Freitas.

Lula assunta o tempo, favorecido pelos últimos acontecimentos. Apesar do entusiasmo de parte da esquerda, é calejado pela experiência. Em outubro de 2017, ele aparecia nas pesquisas com o dobro das intenções de voto de Bolsonaro. Em cenário sem o seu nome, Marina Silva ficava à frente do Cavalão. Deu no que deu.

Portanto, melhor assuntar como Lula. Há prazos à frente, que não são apenas os da legislação eleitoral. O inicial é o dia 1 de agosto, fixado por Trump para que vigore a taxa de 50%. Se não houver recuo do Imperador, Lula promete retaliar.

Para tanto, tem aprovação concedida por unanimidade pelo Congresso e dois alvos: taxar as grandes empresas de alta tecnologia dos Estados Unidos (big techs) que operam no Brasil e quebrar patentes de medicamentos importados, grande parte deles de laboratórios norte-americanos.

Poucos duvidam que as réplicas de Trump virão, em uma escalada imprevisível. Esperança em algum acordo diplomático? Claro, a esperança nunca morre – mesmo que a ilusão na política seja tão amarga quanto a ilusão no amor.