Ricardo Leitão | Publicado em 17/11/2025, às 10h03 - Atualizado às 10h10
A menos de um ano das eleições de 2026, as pesquisas de opinião indicam que cerca de 40% dos brasileiros apontam a violência como o principal problema do País.
Não era assim há seis meses, quando o desemprego e a saúde se revezavam nas primeiras posições. Nesse curto espaço de tempo, facções criminosas aumentaram rapidamente suas presenças em quase todos os estados e tornaram-se vizinhas de cerca de 19% da população, segundo mostra o Datafolha – o que corresponde a 31 milhões de pessoas.
No Rio de Janeiro, depois da matança, pela Polícia Militar, de 117 suspeitos de integrarem a facção Comando Vermelho (CV), 57% dos fluminenses consideraram um “sucesso” a operação ordenada pelo governador Cláudio Castro, destacado bolsonarista. Não tardou e com ele se solidarizaram seus pares da direita, que chegaram a propor um oportuníssimo Consórcio da Paz, em resposta à “omissão do governo Lula na segurança pública, em todas as regiões”.
Ainda não se completara a identificação dos corpos crivados de balas, na mais letal operação policial da história do Brasil, quando o Ministério da Justiça e da Segurança Pública reagiu: encaminhou ao Congresso o projeto de Lei Antifacção, com objetivo de retomar o protagonismo do Governo Federal na questão. Foi o início de uma disputa político-eleitoral que vai dominar a campanha presidencial no próximo ano e, sem dúvida, chegará às urnas de outubro.
A violência urbana crescente é um tema que faz sangrar a esquerda, embora esteja indistintamente presente em estados geridos por representantes de todos os espectros ideológicos, em todas as regiões. Ainda assim, a direita não tarda. Por decisão do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, bolsonarista, seu ex-secretário de Segurança, hoje o deputado federal Guilherme Derrite, foi designado relator do projeto encaminhado pelo Ministério da Justiça. Com o apoio do presidente da Câmara, Hugo Mota, Derrite elaborou em 48 horas três relatórios, todos recusados por inconstitucionalidade.
Os relatórios subordinavam a Polícia Federal aos governadores e tratavam o narcotráfico como crime de terrorismo, seguindo critérios usados por Donald Trump para ameaçar a Venezuela. Uma nova proposta poderá ser aprovada em plenário nesta semana, se houver acordo prévio entre o governo e a oposição. O Ministério da Justiça e a bancada governista não aceitam a subordinação da Polícia Federal aos governadores, nem o crime de narcoterrorismo. A bancada da oposição insistirá na permanência desses dois pontos no quarto relatório. Atentos à tarefa de fazer sangrar o governo lulista, os governos de direita sugerem que o projeto apenas seja votado no final da legislatura. Argumentam ser necessário mais tempo para debates, aconteçam ou não outros morticínios como o do Rio de Janeiro.
Não faltam, ainda, os totalmente descrentes da importância de novas legislações para conter a violência urbana, lembrando tentativas recentes. Em 2019, o Congresso aprovou a Lei 13.954, depois conhecida como Pacote Anticrime, que endureceu as penas contra os criminosos ligados a facções. No entanto, passados quase seis anos, o tráfico de drogas não diminuiu; o contrabando de fuzis cresceu; organizações como o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital se alastraram pelo País e se articularam com quadrilhas internacionais, ao mesmo tempo infiltrando-se na política e no setor financeiro.
Desgraçadamente é tudo verdade, em uma conjuntura agravada por episódios de corrupção que envolvem bilhões de reais e servidores de instituições públicas. A descrença dos eleitores com as soluções propostas pelo governo e a oposição pode levar a um quadro político que favoreça um “tercius” oportunista. Na eleição para prefeito de São Paulo, em 2022, o influenciador Pablo Marçal desbaratinou a campanha de reeleição do prefeito Ricardo Nunes, ganhou o apoio dos bolsonaristas e quase chega ao segundo turno, sem estrutura e com tempo mínimo de televisão.
A polarização entre a esquerda e a direita no enfrentamento da violência urbana cria oportunidades para candidatos como Marçal, pelo fato de não haver, dos dois lados, soluções concretas para apresentar à população. O ideal seria clareza na legislação sobre como integrar não apenas as polícias federais e estaduais, mas também agências controladoras, Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). É possível. Há um mês, assim se desenvolveu, em São Paulo, a Operação Carbono, que sem disparar um tiro desmantelou uma ação do Primeiro Comando da Capital (PCC), que ia do contrabando internacional de combustíveis a financeiras vinculadas à organização.
O Governo Federal tenta trabalhar nesse sentido. Em 2018, criou o Sistema Único de Segurança Pública (Susp). No entanto a lei ainda não saiu do papel. Agora, η administração petista se mobiliza no Congresso para colocar o Susp na Constituição, o que exigirá votações de dois terços no Senado e na Câmara dos Deputados, a menos de um ano da eleição presidencial. Não será fácil com as diferenças ideológicas e uma disputa eleitoral que promete ser duríssima.
Há tempo para melhorar até as urnas de outubro de 2026? Há tempo para ao menos parte da população do Rio de Janeiro, onde a crise da segurança é crítica, ser libertada do jugo das facções? Há tempo para conter a expansão do crime organizado e hierarquizado – como uma Máfia tropical - por todo o País? Nenhum especialista em segurança pública da polícia ou da universidade dirá que há tempo para soluções definitivas. Porém, poderá concluir que, mesmo contaminado pela campanha eleitoral, há tempo para um debate técnico que indique caminhos para salvar o Brasil da violência extrema.
Pactos nacionais asseguraram o retorno dos exilados pela ditadura, as eleições diretas e a vitória contra a inflação. Ter de volta a paz é agora tão essencial quanto preservar a conquista da democracia.
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