Prerrogativas da Advocacia e mais uma vez assistimos o desrespeito violento as mesmas na CPMI do INSS

Luís Gallindo | Publicado em 28/10/2025, às 15h06 - Atualizado às 15h18

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I. Introdução

A forma como um Estado trata seus advogados revela muito sobre a qualidade de sua democracia. Onde o exercício da defesa é visto como incômodo, o processo perde o sentido e o cidadão perde a voz. As prerrogativas da advocacia existem justamente para impedir que isso ocorra. Mais do que direitos corporativos, são garantias de que a voz do cidadão será ouvida diante do poder público.

Ao reconhecer no artigo 133 da Constituição Federal que o advogado é indispensável à administração da Justiça, o constituinte consagrou uma função essencial à preservação do Estado de Direito. O Estatuto da Advocacia consolida esse compromisso, erigindo um conjunto de salvaguardas destinado a proteger a independência, a inviolabilidade e a dignidade do exercício profissional.

Entretanto, episódios recentes, como os ocorridos na CPMI do INSS, em que advogados foram interrompidos e constrangidos no exercício da defesa, mostram que ainda há um longo caminho a percorrer. Não se trata de casos isolados, mas de sinais de uma fragilidade institucional mais profunda: a dificuldade de compreender que o respeito às prerrogativas do advogado é, em última instância, respeito à própria cidadania.

II. As prerrogativas e seu papel na preservação do equilíbrio institucional

O constituinte de 1988, ao reconhecer o advogado como figura indispensável à administração da Justiça, não conferiu um privilégio de classe, mas estabeleceu um pilar estrutural do Estado Democrático de Direito. A advocacia foi inserida entre as funções essenciais à Justiça justamente para assegurar que o poder público jamais exerça sua autoridade sem ser confrontado pela razão e pela lei.

As prerrogativas previstas no Estatuto da Advocacia são a tradução prática dessa escolha constitucional. Elas garantem que o advogado possa atuar com independência, sem medo de retaliações ou constrangimentos, e que possa falar em igualdade com as demais funções essenciais, como a magistratura e o Ministério Público, em um diálogo institucional equilibrado. O acesso aos autos, a inviolabilidade de seu local de trabalho, o direito de comunicação reservada com o cliente e a liberdade de manifestação em juízo são expressões concretas desse equilíbrio.

A essência das prerrogativas não está na proteção do profissional, mas na proteção da defesa e do contraditório, sem os quais o processo deixa de ser instrumento de Justiça para se tornar simples exercício de poder. Por isso, cada vez que um advogado é desrespeitado em sua atuação, não se fere apenas uma pessoa, mas a própria arquitetura institucional da Justiça.

Mais do que um conjunto de direitos, as prerrogativas representam uma obrigação recíproca. Se de um lado exigem do Estado o respeito à atuação livre e digna da advocacia, de outro impõem ao advogado o dever de exercer sua função com ética, técnica e urbanidade. Somente quando ambas as dimensões coexistem é que se mantém o equilíbrio necessário entre autoridade e defesa, entre poder e cidadania.

III. O caso da CPMI do INSS: um sintoma das fragilidades institucionais

Os episódios ocorridos na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do INSS evidenciam que o desrespeito às prerrogativas da advocacia continua a ser uma realidade preocupante no cenário institucional brasileiro. Em um espaço que deveria se pautar pela racionalidade e pela observância das garantias fundamentais, a atuação de advogados foi alvo de constrangimentos públicos e manifestações incompatíveis com o decoro parlamentar e com o respeito devido à função essencial da advocacia.

No dia 23 de outubro de 2025, durante sessão da CPMI, a advogada Izabella Hernandez Borges, que acompanhava uma depoente, foi alvo de declarações ofensivas do deputado José Medeiros (PL-MT), que se referiu a advogados de forma pejorativa, utilizando a expressão “advogada de porta de cadeia”. A profissional, ao tentar intervir diante da provocação, foi advertida a “ficar no seu lugar”, em um ato que extrapolou os limites da urbanidade e desconsiderou sua condição de representante legal. O episódio gerou imediata reação da Ordem dos Advogados do Brasil, que repudiou a conduta e cobrou providências para resguardar o livre exercício da defesa técnica.

Não se trata, contudo, de fato isolado. Poucas semanas antes, em 25 de setembro, o advogado Cleber Lopes, representante de um depoente na mesma CPMI, foi verbalmente agredido pelo deputado Zé Trovão (PL-SC), que lhe ordenou que “se calasse” e afirmou que ele “não tinha direito de falar”. A sessão precisou ser suspensa após o tumulto. A OAB-DF, mais uma vez, manifestou repúdio e classificou a ocorrência como grave violação às prerrogativas da advocacia.

Ambos os episódios ferem frontalmente o artigo 7º do Estatuto da Advocacia, que assegura ao advogado liberdade de manifestação, tratamento digno e atuação independente em qualquer ambiente em que exerça a defesa de interesses legítimos. Também violam o princípio da paridade de armas, ao submeter a advocacia a uma posição de subordinação simbólica diante de autoridades que, em tais espaços, deveriam agir com redobrado zelo institucional.

A agressividade dirigida aos advogados nas sessões da CPMI revela uma incompreensão mais profunda sobre o papel da defesa em um Estado Democrático de Direito. O advogado não é adversário do Parlamento, do Ministério Público ou da autoridade pública. É agente indispensável da Justiça, cuja função é justamente assegurar que a legalidade e os direitos fundamentais sejam preservados mesmo diante do exercício legítimo da investigação. Ao silenciar a voz do advogado, cala-se, por reflexo, a própria voz do cidadão que ele representa.

IV. Caminhos para o fortalecimento das garantias institucionais

Os episódios recentes na CPMI do INSS reforçam a necessidade de fortalecer, de forma concreta, a proteção das prerrogativas da advocacia. Não basta reconhecer sua importância em abstrato; é preciso criar mecanismos efetivos que impeçam a repetição de situações que exponham ou constranjam advogados no exercício regular da profissão.

No plano normativo, cabe ao Parlamento e ao próprio Judiciário consolidar regras claras de conduta em ambientes de apuração e julgamento, assegurando espaço de fala e tratamento digno aos profissionais que representam o direito de defesa. Comissões parlamentares, tribunais e órgãos administrativos devem adotar protocolos que garantam urbanidade e igualdade de participação, sob pena de esvaziar a própria noção de contraditório.

No campo institucional, a atuação das seccionais da OAB deve ser permanente e propositiva. Mais do que reagir a violações, é fundamental promover diálogo contínuo com as casas legislativas e com o sistema de Justiça, difundindo a compreensão de que as prerrogativas são um patrimônio coletivo, e não um privilégio de classe.

Também é essencial investir em educação institucional. Magistrados, parlamentares e servidores públicos precisam ser formados para compreender que o respeito à advocacia é parte indissociável do respeito ao Estado de Direito. Nenhuma autoridade democrática deve se sentir diminuída por reconhecer, no advogado, um interlocutor legítimo e necessário.

Por fim, é indispensável fortalecer os instrumentos de responsabilização. Atos de desrespeito às prerrogativas não podem ser tratados como simples equívocos de comportamento, mas como violações institucionais graves, que comprometem a credibilidade do sistema de Justiça e enfraquecem a confiança social.

A defesa das prerrogativas exige vigilância, diálogo e firmeza. Somente assim será possível transformar episódios de desrespeito em oportunidades de amadurecimento democrático e de reafirmação do compromisso público com a advocacia e com o cidadão que ela representa.

V. Conclusão

O respeito às prerrogativas da advocacia não é uma pauta corporativa. É um compromisso com a democracia, com o devido processo legal e com a dignidade do cidadão que depende da palavra do advogado para ver seus direitos reconhecidos. Cada violação, ainda que isolada, corrói a legitimidade das instituições e compromete a credibilidade da Justiça.

Os incidentes registrados na CPMI do INSS expõem que, mesmo após décadas de consolidação normativa, o papel da advocacia ainda é alvo de incompreensão. Quando um advogado é impedido de falar, interrompido ou hostilizado, não é apenas um profissional que se cala. Cala-se o direito de defesa, cala-se a própria cidadania.

Reafirmar as prerrogativas é reafirmar o Estado de Direito. É garantir que o exercício da autoridade pública continue submetido à lei, à ética e à razão.

Respeitar o advogado, em essência, é respeitar o cidadão. E é a partir desse respeito que se constrói uma democracia sólida, capaz de proteger tanto quem julga quanto quem defende.

Não deixem, que os advogados guardem no peito a dor de não advogar.

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