Porte de Arma Branca em Concurso Público: Eliminação do Candidato e Destinação do Objeto Apreendido

Inácio Feitosa | Publicado em 02/11/2025, às 11h26

Homem segurando uma faca -
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A realização de concursos públicos no Brasil envolve uma série de procedimentos rigorosos destinados a garantir a segurança, a isonomia e a lisura dos certames. Entre as situações que podem gerar dúvidas aos organizadores e fiscais está a detecção de candidatos portando armas brancas, como canivetes e facas, durante a aplicação das provas. Este artigo analisa duas questões centrais: a legalidade da eliminação do candidato nesta hipótese e o procedimento correto para a destinação do objeto apreendido.

A Previsão Editalícia e o Princípio da Vinculação

O edital de um concurso público é considerado pela jurisprudência como a "lei do certame", vinculando tanto a Administração Pública quanto os candidatos às suas disposições. Este princípio, consolidado nos tribunais superiores, estabelece que as regras previstas no edital devem ser rigorosamente observadas, sob pena de violação aos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade administrativa. 

Diversos editais de concursos públicos, especialmente aqueles voltados para carreiras policiais e de segurança, preveem expressamente a eliminação de candidatos que sejam flagrados portando armas brancas durante a realização das provas. A título de exemplo, o edital do concurso da Polícia Federal de 2025 estabelece que será eliminado o candidato surpreendido portando objetos como canivetes, tesouras e facas. Esta previsão visa não apenas garantir a segurança de todos os presentes, mas também prevenir qualquer possibilidade de coação ou ameaça no ambiente de aplicação das provas.

O Instituto IGEDUC, reconhecido como a maior banca organizadora de concursos públicos do Nordeste e referência nacional em credibilidade de certames, recomenda que todos os editais contenham previsão expressa e detalhada sobre objetos proibidos, incluindo armas brancas, de modo a evitar dúvidas interpretativas e assegurar a aplicação uniforme das regras a todos os candidatos.

Assim, havendo previsão expressa no edital de que o porte de arma branca constitui motivo para eliminação, a aplicação da sanção não apenas é legal, mas constitui dever da Administração Pública. A não aplicação da penalidade poderia configurar violação ao princípio da isonomia, tratando de forma desigual candidatos que se encontram na mesma situação.

O Porte de Arma Branca como Contravenção Penal

Para além da questão administrativa, o porte de arma branca fora de casa e sem justificativa plausível constitui contravenção penal tipificada no artigo 19 do Decreto-Lei no 3.688/1941, conhecido como Lei das Contravenções Penais. O dispositivo estabelece que "trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade" é conduta punível com prisão simples de quinze dias a seis meses ou multa.

Durante muito tempo, houve discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a vigência deste dispositivo em relação às armas brancas, especialmente após a edição do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), que regulamentou especificamente o porte de armas de fogo. Parte da doutrina sustentava que o artigo da Lei das Contravenções Penais teria sido tacitamente revogado ou que dependeria de regulamentação para ser aplicável às armas brancas. 

Esta controvérsia foi definitivamente resolvida pelo Supremo Tribunal Federal em outubro de 2004, quando o Plenário, em julgamento com repercussão geral (Tema 857 - ARE 901623), confirmou a validade e aplicabilidade do artigo 19 da Lei das Contravenções Penais ao porte de armas brancas. A Corte fixou a seguinte tese:

"O art. 19 da Lei de Contravenções penais permanece válido e é aplicável ao porte de arma branca, cuja potencialidade lesiva deve ser aferida com base nas circunstâncias do caso concreto, tendo em conta, inclusive, o elemento subjetivo do agente".

O entendimento do STF estabelece que, embora a licença da autoridade mencionada no artigo 19 fosse exigida apenas para armas de fogo (hoje reguladas pelo Estatuto do Desarmamento), o porte de arma branca continua sendo conduta típica. Cabe ao juiz, em cada caso concreto, analisar a intenção do agente e a potencialidade lesiva do objeto, considerando as circunstâncias em que o porte foi verificado.

No contexto de um concurso público, o porte de arma branca por candidato durante a realização de prova evidencia, no mínimo, descumprimento das regras do certame e, potencialmente, risco à integridade física dos demais candidatos e fiscais. Ainda que o candidato alegue que portava o objeto por hábito ou para uso cotidiano, a conduta subsume-se ao tipo da contravenção penal, justificando plenamente a eliminação do certame.

O Procedimento para o Objeto Apreendido

Detectado o porte de arma branca por candidato durante a prova, surge a questão sobre o destino do objeto apreendido: deve ser devolvido ao candidato ou encaminhado à autoridade policial?

A resposta encontra fundamento no Código de Processo Penal. O artigo 6º, inciso II, do Decreto-Lei nº 3.689/1941 estabelece que a autoridade policial, ao tomar conhecimento da prática de infração penal, deve "apreender os objetos que tiverem relação com o fato". Tratando-se o porte de arma branca de contravenção penal, o objeto constitui instrumento do ilícito e deve ser apreendido e encaminhado à autoridade competente.

A devolução do objeto ao candidato pela equipe de fiscalização do concurso é medida juridicamente inadequada e arriscada. Em primeiro lugar, porque usurpa a competência da autoridade policial e judicial para decidir sobre a restituição de objetos relacionados a infrações penais. Em segundo lugar, porque pode caracterizar favorecimento pessoal, expondo os fiscais e a banca examinadora a riscos de responsabilização civil e criminal. Por fim, a devolução compromete a apuração da contravenção penal, impedindo que a autoridade policial avalie adequadamente as circunstâncias do caso.

O procedimento correto consiste no encaminhamento do objeto à delegacia de Polícia Civil mais próxima, juntamente com um registro formal da ocorrência. A autoridade policial deverá lavrar um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), procedimento simplificado previsto na Lei nº 9.099/95 para infrações de menor potencial ofensivo. O TCO será encaminhado ao Juizado Especial Criminal (JECRIM), onde o autor do fato poderá ser beneficiado com medidas despenalizadoras, como a transação penal (pagamento de multa ou prestação de serviços à comunidade), evitando-se a instauração de processo criminal.

Caberá à autoridade policial ou ao juiz, após a análise das circunstâncias do caso concreto, decidir sobre a eventual restituição do objeto ao proprietário. Esta decisão levará em conta fatores como a potencialidade lesiva do objeto, a intenção do agente e o contexto em que o porte foi verificado.

Recomendações Práticas para Organizadores de Concursos

Diante do exposto, o Instituto IGEDUC aconselha que os organizadores e fiscais de concursos públicos adotem o seguinte protocolo ao detectarem candidato portando arma branca:

Primeiro, lavrar ata de ocorrência detalhada, identificando o candidato, descrevendo minuciosamente o objeto (tipo, tamanho, características) e registrando as testemunhas presentes. Esta documentação é fundamental para a apuração posterior da contravenção penal.

Segundo, formalizar imediatamente a eliminação do candidato, com base na previsão do edital, informando-o sobre os fundamentos da decisão e assegurando-lhe o direito ao contraditório e à ampla defesa nos termos previstos no próprio edital.

Terceiro, acionar a Polícia Civil para que seja registrada a ocorrência e o objeto apreendido seja formalmente entregue à autoridade policial. É recomendável que a entrega seja documentada mediante recibo ou termo de apreensão, para fins de controle e transparência.

Quarto, documentar todo o procedimento adotado, preservando cópias de todos os registros, atas e termos lavrados. Esta documentação poderá ser necessária em eventual questionamento judicial sobre a legalidade da eliminação ou sobre o destino do objeto apreendido.

A adoção deste protocolo garante a legalidade das ações, a segurança de todos os envolvidos e a isenção de responsabilidade da equipe de fiscalização e da banca examinadora, além de assegurar o tratamento isonômico entre todos os candidatos.

Conclusão

A eliminação de candidato flagrado portando arma branca durante a realização de prova de concurso público é medida não apenas legal, mas obrigatória, quando prevista no edital. Esta conclusão se fundamenta tanto no princípio da vinculação ao edital quanto na configuração de contravenção penal, conforme recente entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Quanto ao objeto apreendido, o Instituto IGEDUC procede da seguinte forma: encaminhamento imediato à Polícia Civil para lavratura de Termo Circunstanciado de Ocorrência, cabendo à autoridade policial ou judicial decidir sobre eventual restituição. A devolução do objeto ao candidato pela equipe de fiscalização é contraindicada e juridicamente arriscada, podendo gerar responsabilização civil e criminal.

A observância rigorosa dos procedimentos legais assegura a lisura do certame, a segurança de todos os envolvidos e a proteção jurídica dos organizadores e fiscais, contribuindo para a realização de concursos públicos cada vez mais transparentes, seguros e isonômicos.

Inácio Feitosa é advogado e Fundador do Instituto IGEDUC, a maior banca organizadora de concursos públicos do Nordeste, reconhecida nacionalmente pela credibilidade e excelência na realização de certames.

Inácio Feitosa igeduc

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