O atoleiro venezuelano

Jamildo Melo | Publicado em 25/08/2024, às 23h19

Lula acaba enredado em sua diplomacia internacional com apoio a Maduro - Presidência da República
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Por Ricardo Leitão, especial para o Jamildo.com

A “eleição presidencial” na Venezuela completa um mês na próxima quarta-feira, dia 28. Apesar de desconhecido qualquer resultado eleitoral, o ditador Nicolás Maduro se declarou vitorioso.

Seu anúncio provocou notas de protestos da Organização das Nações Unidas (ONU), da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da União Europeia (UE), além de diversos países.

Em todas as regiões venezuelanas, milhares de pessoas foram às ruas, desencadeando uma repressão que prendeu milhares de opositores do ditador; torturou e assassinou dezenas deles; expulsou diplomatas; censurou os meios de comunicação e passou a policiar as cidades com milicianos armados em motocicletas, com direito a sequestrar quem eles considerassem suspeitos.

“Houve um aumento dos mecanismos de terror do Estado, além de uma ampliação das formas de castigar os cidadãos e tentar subjugar toda a sociedade”, denuncia Oscar Murillo, diretor da ONG Provea, que atua na área de direitos humanos. “De um processo autoritário, passamos a um totalitário”.

Maria Corina Machado, líder da oposição, está escondida. O diplomata Edmundo González, principal adversário de Maduro no pleito, foi intimado pela Justiça a explicar os protestos.

O ditador determinou que presos não poderão disputar campanhas eleitorais por um período indeterminado. Nos bairros populares, casas de famílias contrárias a Maduro são marcadas com “X” por agentes de repressão, decerto inspirados pelos agentes nazistas que sinalizavam com a estrela de David as residências dos judeus na Segunda Guerra Mundial.

Ao saber que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se dissera “assustado” com a violência, o ditador receitou chá de camomila – poderoso relaxante – ao aliado histórico.

Não se sabe se Lula entornou a receita irônica, mas o fato é que, desde então, o presidente se empenha em buscar uma saída diplomática que possa afastar a Venezuela da ameaça de uma guerra civil.

Lula propôs um referendo popular sobre a validade da eleição; um governo de coalizão e novas eleições. Esta última ideia não foi aceita pela oposição nem por Maduro, que rejeita qualquer interferência externa nos seus assuntos.

Em meio às tentativas malsucedidas de algum entendimento, o México se retirou do grupo de países que mais pressionavam Maduro, e o Tribunal Superior de Justiça (equivalente ao Supremo Tribunal Federal brasileiro) confirmou Maduro, de forma inapelável, “vencedor das eleições”. Não bastasse, proibiu que as atas das sessões eleitorais fossem divulgadas.

Apesar da “vitória” no tribunal, composto por juízes aliados seus, o ditador não descuidou da repressão. Ordenou que vigorasse um sistema de delação de oposicionistas, que provocou a intensificação das prisões ilegais.

Nicolás Maduro joga parado, sabendo que ainda tem pela frente quatro meses do atual mandato. Em janeiro de 2025 será empossado como “presidente reeleito”, com direito a permanecer no poder até 2029. Em quatro meses, pode acontecer muita coisa; contudo pode não acontecer nada.

O ditador aposta na conjuntura internacional, que o favorece. A campanha e a eleição presidencial nos Estados Unidos e a campanha e as eleições municipais no Brasil tendem a desviar o foco de Joe Biden e de Lula sobre a Venezuela.

Foi uma clara sinalização nesse sentido a ausência de qualquer citação de Maduro no discurso de Kamala Harris, candidata democrata à Presidência dos Estados Unidos, na convenção nacional do partido. Ela se referiu ao massacre dos palestinos na Faixa de Gaza; à invasão da Ucrânia pela Rússia e ao risco de uma guerra entre o Irã e Israel. Porém não dedicou um minuto à Venezuela, assunto igualmente ausente nos discursos de seu adversário, Donald Trump. O ditador venezuelano permanecerá no poder?

O primeiro ponto a considerar é que, internamente, o controle não saiu de suas mãos. Sua base está nas prisões, torturas, liquidação de opositores e fidelidade das Forças Armadas – polpudamente contempladas com altos salários na administração.

No momento, é impossível um levante popular contra o ditador. Brasil e Colômbia, países vizinhos da Venezuela, onde estão refugiados milhões de venezuelanos, tentam sobreviver nas articulações com dúbias notas diplomáticas.

E Maduro tem opção segura na hipótese de um isolamento internacional: a China, maior parceira comercial do país com investimento de bilhões de dólares, especialmente nas reservas de petróleo, uma das maiores do mundo.

Os Estados Unidos não gostariam de ver os chineses prosperarem nas suas cercanias. A proposta que fazem circular é um acordo com Maduro, pelo qual o ditador seria anistiado de acusação por narcotráfico, em processo que corre nos EUA, em troca de sua renúncia e exílio. No processo, o governo norte-americano estipulou recompensa de 15 milhões de dólares (R$ 83 milhões) pela prisão de Maduro.

O fortalecimento da China na América do Sul também não interessa ao Brasil, que passaria a ter, na região, um poderoso oponente. Isso pode significar perda de peso político e econômico do governo de Lula, depois do esforço feito pelo presidente para recuperar o prestígio internacional destruído pela tragédia Jair Bolsonaro.

Nem o condor dos Andes, que enxerga as presas a longuíssimas distâncias, tem condição de antever terra firme no atoleiro venezuelano. O horizonte também é opaco para Lula, que evidentemente não sabe o que fazer diante do maior desafio diplomático em que está envolvido. Haverá demanda para dezenas de litros de chá de camomila.

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