Renata Stadler | Publicado em 22/08/2025, às 22h31
Por Renata Stadler, em artigo enviado ao site Jamildo.com
A vaidade da família Bolsonaro, somada à ausência de densidade intelectual e ao uso recorrente da influência pública para fins pessoais, leva Eduardo Bolsonaro a se imaginar como pivô das sanções de Donald Trump contra o Brasil.
Não se trata de minimizar o papel criminoso que teve ao assumir e incentivar ameaças à soberania nacional, mas é ingênuo supor que a motivação central dos Estados Unidos decorra de um pedido seu.
Essa narrativa reduz a geopolítica a caricatura. No máximo, Bolsonaro no poder serviria como fantoche útil para interesses estratégicos americanos. O que está em jogo é mais profundo e vem sendo construído há décadas.
O chamado “sonho americano”, baseado na promessa de mobilidade social e prosperidade pelo trabalho, vive processo avançado de deterioração.
Pesquisas de Noam Chomsky e estudos de Anne Case e Angus Deaton sobre as “mortes por desesperança” mostram como, nas últimas três décadas, o modelo econômico dos EUA concentrou renda, enfraqueceu a classe média e ampliou desigualdades.
Entre 1995 e 2025, a economia cresceu e manteve liderança tecnológica, mas o 1% mais rico passou a deter mais de 30% da riqueza nacional, enquanto a renda real da maioria estagnou.
O quadro é agravado por crises de saúde pública, aumento de overdoses e queda da expectativa de vida entre brancos de baixa escolaridade, fenômeno inédito no pós-Segunda Guerra. Trata-se de um país financeiramente mais rico, mas socialmente fragilizado, com redes de proteção desmontadas e custos básicos sufocando a população.
No plano externo, a ordem unipolar do pós-Guerra Fria cede espaço a uma configuração multipolar. China e Índia ampliam peso econômico, a Rússia exerce influência militar e coalizões como os BRICS+ articulam pautas alternativas.
Desde Obama, os EUA adotam postura de contenção; sob Trump 2.0, a estratégia se torna mais agressiva.
A aproximação do Brasil com China, Rússia, Índia e países africanos, somada ao discurso de autonomia estratégica de Lula, coloca o país no “outro bloco” aos olhos de Washington.
Entre os BRICS, o Brasil é vulnerável: não possui arsenal nuclear, não controla rotas críticas e depende de commodities e mercados externos.
Essa condição facilita pressões que enviam recados indiretos à China e ao Sul Global: “afastar-se demais dos EUA tem custo”. O uso de tarifas e sanções unilaterais é prática recorrente da diplomacia americana.
Para ampliar sua margem de manobra, o governo Lula investe na resiliência interna.
A taxa de desemprego caiu para 5,8%, a menor desde 2012; a inflação acumulada está em 5,23%; o PIB cresceu 3,4% em 2024; e 1,22 milhão de empregos formais foram criados apenas no primeiro semestre de 2025. O Bolsa Família atende 19,6 milhões de famílias com benefício médio de R$ 671 além de adicionais para crianças e gestantes.
O Farmácia Popular ampliou a gratuidade para todos os medicamentos da lista oficial, e o Desenrola Brasil renegociou dívidas de mais de 15 milhões de pessoas.
O Minha Casa, Minha Vida contratou 1,2 milhão de moradias em 2024 e o Programa de Aquisição de Alimentos fortalece a agricultura familiar. O Brasil voltou a sair do Mapa da Fome.
Na educação, o Pé-de-Meia garante até R$ 9,2 mil a estudantes do ensino médio, e a expansão de 102 Institutos Federais criará 142 mil vagas. Em ciência e tecnologia, programas como Nova Indústria Brasil e Mais Inovação Brasil somam centenas de bilhões em crédito para inovação, reindustrialização verde e bioeconomia.
No meio ambiente, o desmatamento na Amazônia caiu mais de 30% em 2024, ao lado de avanços na transição energética, como a Lei do Combustível do Futuro. Esse conjunto de políticas reforça a posição brasileira em um mundo em transformação e mostra que disputar influência
exige projeto nacional consistente.
O caso Bolsonaro, nesse contexto, é apenas catalisador imediato para medidas que respondem a uma estratégia mais ampla de reposicionamento internacional. Tarifas punitivas e tentativas de influenciar processos judiciais cumprem dupla função: reforçar, nos EUA, a narrativa junto à base trumpista;
e, no exterior, sinalizar força diante dos BRICS. Bolsonaro é apenas o estopim; a disputa pela hegemonia é a pólvora.
Enquanto isso, o Brasil fortalece a estabilidade institucional, investe em educação e inovação, lidera agendas ambientais e de segurança alimentar e consolida uma diplomacia ativa.
Ao diversificar alianças e preservar independência frente a qualquer potência, não apenas resiste às pressões externas, mas se posiciona como protagonista na construção de uma ordem internacional mais justa e equilibrada.
Renata Stadler é jornalista
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