Rodrigo Ambrosio | Publicado em 17/07/2025, às 15h31 - Atualizado às 19h59
Por Rodrigo Ambrosio, em artigo enviado ao site Jamildo.com:
O estado expõe um choque de paradigmas: o poder da máquina contra a força da conexão digital. E a disputa revela algo maior sobre o futuro da política no Brasil.
As eleições de 2026 em Pernambuco colocam frente a frente dois modelos opostos de construção política.
De um lado, Raquel Lyra, governadora que domina o voto de estrutura: alianças partidárias sólidas, prefeitos aliados espalhados pelo interior, entregas e programas para consolidar apoio.
Do outro, João Campos, prefeito do Recife, que simboliza um fenômeno recente no Brasil – o voto de afinidade, também chamado de voto parasocial na literatura sobre comunicação política.
À primeira vista, Raquel parece ter todos os ingredientes que definem uma candidatura forte. Aprovação próxima de 50%, migração estratégica para o PSD, base que controla cerca de 75% das prefeituras, obras em andamento e apoio de lideranças tradicionais.
Em qualquer eleição anterior, isso seria sinônimo de reeleição encaminhada. Mas as pesquisas contam outra história: João Campos aparece com mais de 60% das intenções de voto, enquanto Raquel permanece distante, mesmo após ampliar alianças e melhorar índices de gestão.
Por que isso acontece? Porque Raquel, apesar da força política convencional, enfrenta um adversário que mudou a lógica da conexão com o eleitor.
João não disputa apenas em palanques, disputas partidárias ou inaugurações. Ele conquistou algo que não se compra com cargos nem convênios: atenção diária no celular do eleitor.
O que é esse tal voto de afinidade?
O voto de afinidade nasce na exposição constante do político nas redes sociais, onde ele deixa de ser apenas gestor para se tornar personagem da rotina.
João Campos domina essa linguagem: vídeos leves, bastidores da gestão, stories com apelo pessoal, estética de influencer e proximidade simulada. Essa presença gera um vínculo emocional que vai além do racional.
A psicologia define isso como relação parassocial: um vínculo unilateral em que o cidadão sente que conhece, gosta e confia em alguém que só acompanha pelas mídias.
O eleitor comenta, compartilha, defende e interage como se tivesse intimidade com o político – mesmo sem nunca ter falado com ele.
Esse efeito, amplificado pelo algoritmo, transforma engajamento em voto. Não é entretenimento vazio. É construção de familiaridade e credibilidade na intimidade do feed.
Não é só Pernambuco: o fenômeno é nacional
Prefeitos em várias partes do Brasil já entenderam o poder desse modelo.
Rodrigo Manga (Republicanos – Sorocaba/SP) faz transmissões ao vivo quase diárias, usa humor, mostra bastidores e constrói uma imagem de acessibilidade permanente.
Antônio Furlan (Podemos – Macapá/AP) levou isso ao extremo: reeleito com 85% dos votos, converteu resultados práticos em narrativa emocional através de vídeos curtos, diretos e fáceis de compartilhar.
Topázio Neto (PSD – Florianópolis/SC) segue a mesma lógica: forte presença digital, linguagem humanizada e exposição calculada da vida pessoal, consolidando percepção de proximidade.
Esses casos mostram que não se trata apenas de boa gestão ou propaganda bem feita. Trata-se de um novo comportamento político-midiático, em que a política ocupa o mesmo espaço simbólico dos influenciadores digitais.
Por que isso desafia governadores?
Porque governar um estado é diferente de comandar uma cidade. Prefeitos entregam serviços visíveis – asfalto, praças, mutirões – ações fáceis de transformar em vídeos de 15 segundos que geram engajamento imediato.
Governadores lidam com obras de longo prazo, programas estruturantes, rodovias que levam anos e políticas menos tangíveis para o cidadão comum. Como transformar uma reforma fiscal em conteúdo viral?
Como competir com um reel mostrando um prefeito dançando enquanto entrega uma rua pavimentada?
Raquel tenta reagir com infraestrutura, educação, saúde e a força do interior – onde ainda prevalece a lógica da liderança local. Mas isso não viraliza.
O eleitor médio valoriza o que está perto, no bairro, no dia a dia.
João entendeu isso antes: transformou sua imagem em extensão da vida do cidadão. Ele não vende apenas gestão, vende identidade.
O voto de estrutura segue contando. Prefeitos influenciam, máquinas garantem capilaridade, alianças trazem tempo de TV. Mas quando a disputa ganha camada afetiva, isso não basta.
Enquanto líderes negociam espaços em gabinetes, João oferece algo que nenhum acordo partidário compra: proximidade simbólica no cotidiano do eleitor.
Cada story é um toque no ombro. Cada reel, um lembrete de presença. Em 2026, isso pode valer mais do que uma obra entregue a 300 km da capital.
Raquel ampliou sua base, atraiu prefeitos, melhorou sua aprovação. Mas enfrenta um teto difícil porque a disputa não é apenas sobre quem governa melhor, e sim sobre quem ocupa a mente e o coração do eleitor todos os dias.
Para onde isso nos leva?
O fenômeno do voto de afinidade revela uma mudança profunda: campanhas deixaram de ser disputas apenas de propostas para se tornarem batalhas por atenção e emoção. Isso não significa que estrutura e alianças perderam valor, mas que, sozinhas, já não garantem vitória.
Pernambuco será um caso emblemático dessa transição. Se João confirmar a vantagem, ficará evidente que não estamos diante apenas de um candidato popular, mas diante de uma nova lógica eleitoral, em que a política se mistura à dinâmica dos criadores de conteúdo.
Prefeitos como João, Manga, Furlan e Topázio já provaram que isso funciona no nível municipal.
Agora, veremos até onde essa fórmula vai quando o jogo é governar um estado – e talvez, em breve, até uma eleição presidencial.
E na corrida presidencial?
Esse fenômeno não vai parar em 2026. A lógica do voto de afinidade já começa a influenciar estratégias para a disputa nacional.
Presidentes e presidenciáveis perceberam que o país não quer apenas gestores ou ideólogos: quer personas digitais, líderes que ocupem espaço no feed e provoquem sensação de proximidade.
A pergunta que paira sobre 2026 é clara: quem não entender que a política virou uma disputa de atenção vai perder o jogo, mesmo que tenha a melhor estrutura, o maior partido e as alianças mais poderosas.
No Brasil conectado, quem não disputar o feed, vai disputar a urna?
Rodrigo Ambrosio é formado em marketing e analista político
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