Nilo Otaviano | Publicado em 05/12/2025, às 12h39 - Atualizado às 12h41
Hoje, 5 de dezembro de 2025, completamos exatos 13 anos desde que o Frevo foi proclamado Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Nós, que compomos a atual Diretoria do Instituto Brasileiro do Frevo - IBF, celebramos essa data com o coração acelerado pelo ritmo que tanto amamos.
Como integrantes dessa tradição viva, vemos no Frevo não apenas uma dança ou uma música, mas o pulsar da identidade brasileira, especialmente de Pernambuco, onde ele nasceu e se expandiu como uma explosão de cores, movimentos e resistência cultural. Essa conquista global não foi um acidente: ela foi construída com dedicação, articulação e, acima de tudo, com o Dossiê do Frevo como bússola estratégica.
O caminho para o título da UNESCO, concedido em 2012, teve raízes profundas no processo nacional de salvaguarda. Tudo começou em 2006, quando um amplo coletivo – envolvendo o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o Ministério da Cultura, a Prefeitura do Recife e uma equipe técnica robusta de pesquisadores, artistas e comunidades – elaborou o Dossiê do Frevo. Esse documento monumental, submetido ao Livro de Formas de Expressão do Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, foi o alicerce para a candidatura federal e, subsequentemente, para a projeção internacional.
Por que o dossiê foi tão crucial? Ele não era mero relatório: era uma narrativa viva, dialética e qualitativa, que reuniu histórias orais, análises históricas e visões contemporâneas. Elaborado em novembro de 2006, às vésperas do Centenário da Palavra Frevo em 2007, o texto traçava a evolução do Frevo desde o Entrudo português e as manifestações de rua do século XIX em Recife, influenciadas pela capoeira e pelas bandas militares.
Destaque para figuras como o Capitão Zuzinha, que consolidou o gênero musical no início do século XX, a Rozenblit Ltda., pioneira na gravação de discos pernambucanos em 1954, e os geniais compositores Nelson Ferreira, o “Dono da Música”, e Capiba (ou ‘apiba, como ele dizia). O dossiê enfrentou desafios como a tensão entre tradição e modernização, a escassez de difusão radiofônica e a falta de investimentos públicos, mas propôs um Plano Integrado de Salvaguarda com cinco eixos: Espaço do Frevo, Documentação, Educação, Divulgação e Apoio às Agremiações Carnavalescas. Eixos claramente reveladores, ainda hoje, do muito que há por se fazer.
Essa articulação coletiva superou obstáculos burocráticos e regionais, transformando o dossiê em um instrumento diplomático que pavimentou o reconhecimento pela UNESCO. Reconhecimento apenas revelador do coletivo esforço de toda a ampla comunidade do Frevo, ao longo de décadas, sem o qual o Frevo poderia ter permanecido confinado às ruas de Olinda e Recife; com ele, começou a trilhar o longo caminho para ganhar o reconhecimento mundial.
O que é o Frevo, afinal? É uma explosão sincretista, nascida nas ruas de Pernambuco no final do século XIX, que une música acelerada, dança acrobática e visual exuberante. Suas formas variam: o frevo-de-rua, instrumental e veloz, tocado por metais e percussão, convida à improvisação corporal influenciada
pela capoeira; o frevo-canção, com letras poéticas, conquista palcos e estúdios; e o frevo-de-bloco, mais lento e coral, com pau-e-corda; e vozes femininas, ecoa nos blocos líricos. A dança, ou passo, mesmo quando em grupo, é vigorosa e individual, com acrobacias e o icônico chapéu de sol – outrora arma de defesa, hoje símbolo de equilíbrio e graça e o nome de “sombrinha de frevo”.
Originário do carnaval recifense, o Frevo reflete o espírito das classes populares: resistência, criatividade e celebração coletiva, o que revela a absoluta atualidade desse “velhinho centenário”. Suas cores vibrantes nos estandartes das troças e clubes, o ritmo frenético e o improviso capturam a essência do Nordeste brasileiro, misturando influências africanas, europeias e indígenas em uma identidade única.
O título da UNESCO, há 13 anos, elevou o Frevo de expressão local a tesouro global, abrindo caminho para o impulsionamento da sua preservação e difusão. Hoje, vemos o impacto em escolas do Frevo-Dança, como a Escola Municipal de Frevo Maestro Fernando Borges, e em escolas do Frevo-Música, como o Grêmio Musical Henrique Dias. No IBF, juntamente com nomes do quilate de Ademir Araújo (o Maestro Formiga), Fabiano Medeiros, Júlio Vila Nova e Priscila Maria, com muito esforço, buscamos as condições para fortalecer grupos, fomentar inovações – sempre respeitando os elementos característicos singulares do Frevo – e combater os excessos da "espetacularização" que ameaça sua essência espontânea.
O dossiê previu isso: seu plano de salvaguarda – com destaque especial para o trabalho hercúleo e essencial do Comitê Gestor da Salvaguarda do Frevo, com seus 30 esforçados e incansáveis membros - com investimentos trienais (ainda por se concretizarem) em documentação e apoio às agremiações, inspirou ações que mantêm o Frevo vivo. Para as futuras gerações, é essencial transmitir não só os passos, mas os significados sociais: o Frevo como espaço de participação comunitária e resistência cultural.
Em conclusão, esses 13 anos celebram não só o Frevo, mas o legado de visão e colaboração que o dossiê representa. Que essa data nos inspire – inclusive a todos os gestores oficiais da Cultura - a valorizar e respeitar as culturas populares brasileiras, garantindo que o Frevo continue ecoando nas ruas e
corações. Viva o Frevo, viva Pernambuco, viva o Brasil!